Eucalipto:
mitos e verdades sobre a absorção de água do lençol freático
O mito em torno do eucalipto vem de longa data e,
sem que ninguém saiba como e onde começou, permanece ao longo das gerações
Ao
eucalipto se atribui estranhas propriedades e capacidades, tais como diminuir a
formação de chuvas devido ao poder esterilizante das substâncias que suas
folhas exalam, ou causar a morte das abelhas ou, ainda, criar um “deserto
verde” pelo fato de ser naturalmente antagônico à flora e à fauna. O aspecto mais
forte deste mito, todavia, é com relação à água, onde o eucalipto teria a
inusitada capacidade de consumir enormes quantidades, secando o solo, as
nascentes e o lençol freático.
Com
o intuito de contribuir para o entendimento desta controvérsia, é interessante
separar os aspectos folclóricos, daqueles que realmente têm algum fundo de
verdade. Neste sentido, começaríamos com a própria palavra “eucalipto”. Não
existe nada inerentemente errado com a árvore eucalipto, ou com a espécie
eucalipto, ou com o gênero Eucalyptus. É uma árvore como qualquer outra. Ou seja, é uma espécie florestal que
funciona exatamente como outras espécies em termos de fisiologia, hidrologia,
limitações, potencialidades e interações
ecológicas.
Esta
constatação decorre de pesquisas que foram desde cedo direcionados para o
estudo do seu consumo de água, e que mostraram que a espécie possui os mesmos
mecanismos fisiológicos que regulam a transpiração e apresenta um consumo de
água dentro dos padrões normais, sendo que este consumo também é regulado pela
disponibilidade de água no solo e pelas condições climáticas que governam o
processo de evaporação, exatamente como ocorre com a maioria das espécies
vegetais. Ou seja, as evidências científicas mostram que a alegada capacidade
de transpirar enormes quantidades de água que a imaginação popular atribui ao
eucalipto não se sustenta.
É
comum, também, ouvir que as raízes do eucalipto absorvem água diretamente do
lençol freático, razão pela qual estão
com as folhas sempre verdes mesmo na estação seca do ano. Isto pode ocorrer
quando o eucalipto é plantado em áreas onde o lençol freático é superficial,
como nas margens de cursos d´água ou onde ocorre lençol freático do tipo
suspenso, quando é localizado, pequeno e superficial.
Em
condições normais, o lençol freático é mais profundo do que o alcance do
sistema radicular e as árvores crescem pela absorção da umidade do solo.
Estudos de campo têm mostrado que a transpiração do eucalipto diminui com a
diminuição do teor de umidade no solo, assim como também diminui na estação
seca do ano. Outros estudos mostram que a produtividade, assim como a
transpiração, aumenta quando a plantação de eucalipto recebe água por
irrigação. É preciso, todavia, não confundir estas verdades, com outra verdade,
também verificada experimentalmente, que as plantações florestais de eucalipto
em larga escala consomem bastante água. Nesse sentido, plantações de Pinus ou
de outras espécies florestais de rápido crescimento também consomem bastante
água se comparada com vegetação de menor porte.
Neste
caso estamos falando de extensas áreas ocupadas por plantações de uma mesma
espécie, de rápido crescimento e alta produtividade. É evidente que esse
processo demanda água. A produção florestal se dá ao custo do consumo
equivalente de água. Não há como se obter um sem afetar o outro. Os resultados
mostrados na figura 1 representam valores médios de dois anos consecutivos de medições da
chuva e da água no solo, em um perfil de 2 metros de profundidade, onde se
concentra a maior parte do sistema radicular das árvores, em parcelas vizinhas
de plantação de eucalipto, Pinus e de vegetação natural da região do experimento, o cerradinho, ilustram
bem o consumo de água pelo eucalipto e seu impacto sobre o lençol freático.
O
consumo total de água por uma plantação florestal é a soma da transpiração,
água absorvida do solo, e da interceptação, isto é, de parte da água da chuva
que fica retida no dossel florestal e se perde por evaporação. O valor marcado
nos quadrados brancos da figura, no meio do perfil de 2 metros do solo,
representa a média anual do total de água absorvida do solo pelas raízes, ou
seja, utilizada na transpiração. Portanto, a
figura mostra que a transpiração do
eucalipto, com base na média de dois anos de medição, foi maior do que a
do cerradinho. Mas este maior consumo de água correspondeu à produção de 366 m3/ha
de madeira, cerca de 10 vezes maior do que a estimativa de produção de biomassa
do cerradinho. Isso mostra uma característica importante do eucalipto: sua alta
eficiência do uso da água.
Os
resultados da figura 1 ilustram também a questão do possível impacto das plantações sobre o
lençol freático. Este possível impacto, se ocorrer, vai se dar não pela
absorção direta de água do lençol pelas raízes, mas sim pelo aumento do déficit anual
de água no solo criado pelo crescimento das plantações florestais, diminuindo
assim a percolação de água que recarrega os aquíferos.
Neste
sentido, é fundamental que o planejamento destas plantações florestais em larga
escala seja feito com base no conhecimento das disponibilidades naturais de
água da região, considerando-se o balanço entre a precipitação média anual e a
taxa de evapotranspiração potencial a fim de não gerar conflitos. Pela mesma
razão, é necessário que o planejamento da ocupação dos espaços produtivos
da paisagem pelas plantações seja feito com base na microbacia hidrográfica,
escala ideal para o manejo adequado dos recursos hídricos. Tendo a microbacia
hidrográfica como base do planejamento do manejo florestal, fica mais fácil
identificar áreas hidrologicamente sensíveis ou ripárias, que devem permanecer
sem uso e devidamente protegidas. E a integração dos plantios florestais com a
vegetação natural contribui para a manutenção da biodiversidade ao longo das
plantações.
Enfim,
permite entender a função destas áreas hidrologicamente críticas de sorte a
fazer de sua conservação não apenas o cumprimento da lei, como manda o Código
Florestal, mas principalmente garantir a sustentabilidade hidrológica do manejo
florestal. Como se pode perceber, esta necessidade não se restringe apenas às
plantações de eucalipto, mas de qualquer intervenção na paisagem que vise à
produção, seja ela de eucalipto, soja, laranja ou pasto.
E
a receita é simples: na paisagem há espaços para a produção, mas há também
espaços de nítida vocação de conservação dos serviços ambientais. Querer brigar
com o Código Florestal por causa disso significa dar um tiro no próprio pé.
Eng. Agr. Walter de Paula Lima
Docente
Aposentado Permissionário
USP/ESALQ
Departamento
de Ciências Florestais
(matéria veiculada na revista Citricultura Atual, fev/2010
É
MUITO DIFICIL ENSINAR QUEM NÃO QUER APRENDER
Nenhum comentário:
Postar um comentário